segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Mr. Catra e a Putaria Puritana das Elites



Por Cristian Boragan

Como diz a mendiga Estamira no documentário que leva o seu nome, eles são ‘espertos ao contrário. Vão à França e assistem shows eróticos no Moulin Rouge e no Lido. No Brasil, gastam e que podem – e parcelam o que não podem – em cirurgias estéticas para esticar um pouco mais a juventude e a sexualidade: são eles, a sociedade hipócrita representada pelas elites.

Elas colocam próteses de silicone numa velocidade espantosa, maçãs no rosto e cada qual com seu amante, mas quem representa a putaria? Mc Catra e o funk. Certa vez numa coletiva de imprensa com a cantora Fernanda Abreu, foi perguntado o que ela achava das letras ofensivas e sexuais do funk. A resposta foi arrebatadora: “Eles (a elite) largaram os pobres lá no fim do mundo, nunca se preocuparam se eles comiam, estudavam ou nada assim. As comunidades se reuniram em guetos e quando o funk, a cultura destes guetos, chega à Zonal Sul do Rio, vem a mesma elite dizendo que é música ruim”.

O pior das críticas elitistas são os argumentos cristãos ‘travestidos’ de intelectuais. Dizem, por exemplo, que o funk que incentiva o sexo desvaloriza a mulher. Voltemos um pouco ao século XIX e ao naturalista Charles Darwin. Em seu livro A Evolução das Espécies, Darwin desmistifica o criacionismo e fala sobre as leis naturais de evolução como a todos os seres vivos. Se todos somos seres vivos dotados de processo evolutivo e, como animais, somos iguais, será que uma galinha, uma vaca (apenas para ficar naqueles animais que servem como adjetivos de excesso de sexualidade) são desvalorizadas a cada vez que fazem sexo? A obra de Mozart, por exemplo, é ‘recheada’ de sexo com Dom Giovani, por exemplo. Será considerada, portanto, ruim!? Hoje existem especialistas apenas na parte pornográfica da obra de Shakespeare. Carlos Drummond de Andrade, um dos maiores poetas brasileiros, tem um livro apenas de poemas eróticos chamado ‘ O Amor Natural’, coletânea lançada após a morte do autor. Só o funk que fala de sexo é ruim!? E Drummond, Shakespeare e Mozart? O que são?

O problema da elite brasileira é sua ‘régua com duas medidas’, o ‘filho de papai’ que queima índio e bate em empregada merece todos os amparos de um país democrático, com direito a hábeas corpus, enquanto o bandido pobre merece a pena de morte. O show do Moulin Rouge é arte, a filha que casa com o empresário rico é esperta, mas a Bruna Surfistinha é prostituta – e o livro dela se tornou best seller por causa de um país de analfabetos que só pensa em sexo.

A crítica ao sexo no funk encobre o preconceito à própria cultura dos guetos, considerada pobre e inferior pelas elites. Lombroso aplicado a cultura. Voltando à mendiga Estamira, ela critica a escola e chama os alunos de ‘copiadores’, nada mais profundo e apropriado aos graves problemas educacionais brasileiros. Pobre Estamira, ela não sabe que, se depender das elites, os copiadores sempre terão vez na cultura.




" Trailer ESTAMIRA, para quem ficou interessado"

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